quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A Vida Sem Diálogo



Havia um edifício na rua Monte Alegre, 276. Os inquilinos que lá moravam eram cidadãos simpáticos, com exceção do morador do apartamento 106. O homem vivia no escuro, mal saía para colocar o lixo na rua. A vida dele era um grande mistério.

Certa ocasião, saí para levar o cachorro a um passeio e deparei-me com aquele estranho. Como é de praxe, dei bom dia e ele nada me respondeu. Então resolvi apelar: " - Será que chove hoje?" e nada. Notei que ele parecia nervoso, suava muito, apesar do frio da manhã. É claro que havia algo de muito estranho no seu comportamento. Não era normal viver trancado em um apartamento com todas as janelas fechadas, um breu só.

Passaram-se dois dias e eu não o vi. Eu sempre descia com o cachorro na esperança de encontrá-lo e ver se descobria algo mais a respeito daquele ser - o que parecia impossível, pois ele não conversava com ninguém. Sem contar que fazia horas que um mau cheiro exalava de dentro do apartamento dele.

No terceiro dia a síndica bateu na minha porta - E então, falou com ele? Sabe de alguma coisa? Você é o único que consegue vê-lo! Faz dias que aperto na campainha e ele não me atende! algo está muito errado por aqui!

A síndica continuou com o seu diálogo, ou melhor, monólogo: blá blá blá, pois blá blá e blá...enquanto eu fazia torradas e me concentrava em cortar a fatia de queijo bem na metade (método prático para se desligar de assuntos chatos). Finalmente ela foi embora. Aff!!!

Até que no quarto dia eu fui praticamente incumbido de saber o que estava acontecendo. Desci novamente com o cachorro e lá estava ele, tremendo, com a cara pálida, parecia que saiu daqueles filmes de suspense. Horrível, de dar medo. Resolvi falar do programa do canal sete quando ele gritou: - eu tive de matá-las!!! Não agüentava mais elas em volta de mim!!! E entrou correndo, como se fugisse de algo.

Ahá... pensei: aí está a resposta! Ele cometeu algo de errado para estar fugindo. Um assassinato! Era isso o que eu temia. Subi correndo e liguei imediatamente para a polícia, afinal, aquele cheiro de podre já impregnava o prédio inteiro.

Quando eles chegaram, já era noite; todos os moradores se reuniram em volta da porta do 106.

- Abra! É a polícia! Nenhum som se ouviu.

- Abra! Ou entraremos à força!

A polícia arrombou a porta e todos os condôminos se pisoteavam, se engalfinhavam para tentar ver a cena do crime. Eu fiquei do lado de fora, afinal, já havia feito a minha parte como cidadão, e, além do mais, não consigo ver sangue, sabe, me dá náuseas.

Havia lixo para todos os lados; estava tudo escuro, com exceção de uma luz vermelha ao fundo que iluminava fotos de pessoas nas paredes.

O oficial conteve os gritos de revolta dos moradores: “- E ainda por cima é psicopata!!!"

O homem estava deitado na cama, com muitos cobertores; o termômetro marcava quarenta graus de febre; ao lado da cama a evidência: três baratas mortas. Eis os corpos de quem desconfiávamos: INSETOS.

Mais tarde, no relatório psicológico do hospital constava: Profissão: fotógrafo. Homem com depressão - sofre de timidez crônica; abandonado pela mulher. Obs.: aversão a insetos. Diagnóstico: pneumonia.

Todo o dia eu passo pela porta do 106 e penso: há...se tivéssemos conversado.

Um comentário:

  1. este sou eu... Passo e não dou bom dia... mas não é má intensão, é apenas uma defesa sabe... se me cumprimentam, eu cumprimento, senão não. É assim no meu prédio. Fico imaginando se os vizinhos pensam a mesma coisa de mim... O que ele faz? Quase nunca sai de casa, ou melhor, quase nunca está em casa e quando está não sai... Não conversa com ninguém... pois é... este sou eu... Mas como eu disse é uma defesa. Acho que na verdade não tenho porque cumprimentar todo mundo. Sempre falo isso pro Diego. Dá-se muita liberdade, eles abusam. Então é assim. Eu não cumprimento, para não dar a liberdade de perguntarem sobre minha vida particular... Como o nome diz... é particular. Ninguém tem nada a ver com isso. Mas pode deixar... se VC passar por mim e dar bom dia, não se apavore se eu te abraçar antes, pois é assim que trato meus verdadeiros amigos... Beijo.
    P.S.: já viu que gostei do post né? hehe

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